Era uma vez
um patinho que por uma baita peripécia do destino nasceu em um bando de cisnes. Esse patinho por alguma razão genética ou colérica, diferente do comum nasceu com uma pelugem acizentada, enquanto filhote ao lado de um bebê cisne era imperceptível suas diferenças naturais. O tempo passou, o patinho cresceu assim como os bebês cisnes e suas diferenças não eram mais imperceptíveis, muito pelo contrário eram completamente exclamativas. O patinho era completamente o oposto dos seus até então irmãos cisnes, sua mãe cisne já não mais o reconhecia como seu filho e lamentava todas as noites diante da lua questionando o que fizera para conceber uma criatura tão distinta e desengonçada como o patinho, mas algo dentro da mamãe cisne nutria uma mísera empatia materna por ele.
O patinho passou toda a sua vida sendo rechaçado por explanar seus aspectos naturais, simplesmente por ser quem de fato ele era, um patinho distinto e desengonçado. Por um momento de sua vida ele tentou se encaixar naquele meio que até então achava que era onde pertencia, ele observava todos os comportamentos e atitudes dos cisnes à sua volta e com muito esforço tentava imitá-los, tentava nadar como os cisnes, se alimentar como os cisnes, voar como os cisnes, e gastava toda a sua energia se esticando e se contorcendo para alongar seu pescoço e curvar sua redonda cabeça para ser visto como um cisne robusto e elegante… mas algo dentro do patinho sabia que por mais esforços que fizesse jamais seria reconhecido como um cisne, ele até podia se convencer ilusoriamente de tal ideia, mas sabia que no final só estaria caçando agulha no palheiro mentindo para si mesmo…
E então em um belo e glorioso dia o patinho resolveu partir e ir por conta própria desvendar a sua natureza distinta e desengonçada.
E ao desvendar essa natureza distinta e desengonçada descobri que esse patinho era eu, passei pouco mais da metade da minha vida repelida, inóspita… Em um profundo complexo de inferioridade, desenvolvi mecanismos elaborados de baixa-estima violentos e letífero, reflexo claro de um mundo e sociedade violentos e letíferos, mas hoje também consigo reconhecer a violência que existia e existe dentro de mim.
No livro Mulheres Que Correm Com Lobos, Clarissa dedica um capítulo inteiro para destrinchar e vasculhar os ecos da história do patinho feio, que tanto dialoga e assemelha-se com a história, com as histórias de muitas de nós, mulheres, mulheres distintas e desengonçadas à um mundo genérico, que só repete a mesma fórmula, sociedade xerox.
Clarissa mergulha pelas águas congelantes e turvas do inconsciente feminino neste capítulo e passa por entre todas as malhas da comparação ferrenha, da inadequação, da não-aceitação, da baixa-estima e todas às demais profundas questões de ser um patinho feio em um mundo de cisnes.
O mundo repele tudo o que é distinto e desengonçado por natureza, por uma simples razão, ele detesta contestar com a diferença, o mundo é um baita dum narciso e como já disse Caetano, “narciso acha feio o que não é espelho.”
E nós patinhos? Claro não somos espelhos, nós somos reflexos inerentes de qualquer terceiro que faça isso por nós, pois nossa natureza assim como a água é cristalina e fluída e que por mais que em alguns momentos fique turva e confusa há sempre de ser bruta e única.
E não temos que ter medo de nós, jamais devemos temer ser quem de fato somos, ficar causando calos e bolhas em nossos pés tentando calçar um sapato apertado que não nos cabe, não nos serve. Pouco me importa o sapatinho de cristal, pouco me importa o papel social imposto nada disso me cabe, nada disso me serve, pois sou uma criatura distinta e desengonçada e como o patinho fui-me ao meu destino, o verdadeiro, mergulhar em minhas águas turvas, confusas, bruta
mas sobretudo
única
de ser-me.